Em um período de sete anos, o brasileiro caminha para ficar cerca de 10% mais pobre. A recessão observada entre o fim de 2014 e 2016, a lenta retomada da economia dos anos seguintes e a recente crise provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) fizeram o Brasil perder parte da sua riqueza.
Entre 2013, o último ano de crescimento mais robusto da economia, e o fim de 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita passará de R$ 8.519 para R$ 7.559 e terá encolhido 11,3% no período, de acordo com cálculos da consultoria LCA. “A realidade é muito mais triste do que apenas esse dado. Nesse período, a média de crescimento do mundo foi de 4% ao ano”, diz o economista da LCA Cosmo Donato. “É preciso levar em conta também o que o país deixou de crescer, sobretudo na comparação com os emergentes. O buraco é mais embaixo”, alerta o profissional.
O PIB per capita é a soma de tudo o que país produz dividido pela população. Ele funciona como um importante termômetro para avaliar a riqueza de uma nação. Sendo assim, ele sobe quando a atividade econômica avança num ritmo mais rápido do que o crescimento populacional. O levantamento da LCA leva em conta estimativas para o PIB trimestral e utiliza a média móvel de quatro trimestres, o que permite uma comparação mais justa.
Nos últimos anos, a economia brasileira enfrentou uma combinação de muita dificuldade. Entre o fim de 2014 e 2016, o país observou uma forte recessão causada por vários desequilíbrios macroeconômicos e pela turbulência política durante o governo Dilma Rousseff. Nos três anos seguintes, houve apenas uma tímida retomada, incapaz de apagar todos os estragos. Agora, a crise provocada pelo coronavírus se tornou mais um componente desse período conturbado.
Em 2020, os analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, estimam um recuo do PIB de 5,77%. “A crise de 2015 e 2016 foi bastante profunda. Houve uma retração do PIB de 7% e só recuperamos metade disso mais ou menos”, diz o sócio e economista da Kairós Capital, André Loes. “O final do ano passado prometia uma aceleração para este ano, talvez o país fosse crescer entre 2% e 2,5%, mas aí veio a pandemia”, afirma.
Mobilidade social interrompida
O empobrecimento do Brasil também fica claro quando se analisa o comportamento socioeconômico do país. Depois de ver o “boom” da chamada classe C no final da década passada e no início desta, o país tem registrado uma leve piora da mobilidade social nos últimos anos, de acordo com um levantamento feito pela Kantar.
Em 2014, 27,5% dos lares brasileiros integravam a classe A e B. Ao fim deste ano, esse grupo deve recuar para 26,3%. Nesse mesmo período, a classe E vai passar de 24,7% para 25,2% dos lares. “No passado, muitas pessoas da classe D e E migraram para a classe C. Desde 2016, não existe mais esse movimento”, diz o diretor de serviço ao cliente e novos negócios da Kantar, David Fiss. “E o que a gente começa a ver neste ano, como efeito da crise, é uma perda de importância de classe A/B e C e um crescimento da classe D/E”, destaca Fiss.
Aumento do desemprego
O desemprego tem sido uma das consequências mais perversas do desempenho ruim da economia, o que ajuda a explicar o empobrecimento do país. No ano passado, o mercado de trabalho até apresentou um esboço de melhora, mas muito calcado na informalidade. A crise provocada pelo coronavírus, no entanto, abortou qualquer expectativa de retomada. Em maio, a taxa de desocupação ficou em 12,9%. E a expectativa é que os números piorem ao longo dos próximos meses.
Demitido há seis meses, o vigilante Wesley dos Santos Lima, de 29 anos, encara o desemprego pela segunda vez em pouco tempo – entre 2016 e 2017 também ficou sem trabalhar por sete meses. “A gente é aquele tipo de pessoa que tem de trabalhar ou fazer um bico para ter alguma coisa melhor na nossa casa”, desabafa o vigilante.
Casado e com um filho de cinco anos, Wesley também viu a esposa perder o trabalho por causa da pandemia. Sem a renda do trabalho, a família teve de cortar itens supérfluos para ajustar seu orçamento. “Não temos contas atrasadas, damos prioridade para este pagamento”, afirma. “Mas fizemos alguns cortes do que compramos e também no lazer”, complementa.
Wesley viveu quatro meses com recursos do seguro-desemprego e agora tenta uma recolocação num momento de bastante dificuldade da economia. “Há alguns anos eu via mais potencial de trabalho, principalmente na área de segurança. Mas agora, com a pandemia, está mais complicado”, constata.
Agenda de curto e longo prazo
Um enriquecimento do Brasil exige uma agenda de curto e longo prazo. No curto prazo, os analistas indicam que o país tem de mostrar, sobretudo, um comprometimento com a parte fiscal para evitar uma desconfiança dos investidores.
Com a pandemia, o governo teve de aumentar os gastos para mitigar os efeitos da crise, o que vai elevar o endividamento do Brasil. De acordo com analistas, será preciso retomar as medidas de ajustes depois que a pandemia for superada, já que o país entrou nessa crise com um nível de endividamento bastante elevado para um país em desenvolvimento. “O país tem de passar rapidamente para o modo austeridade”, diz André Loes. “O Brasil tinha começado a debelar o crescimento da dívida, mas ela vai subir para algo como 97% do PIB este ano”, afirma. Em 2019, a dívida bruta do Brasil correspondeu a 75,8% do PIB.
Por sua vez, no médio e longo prazo, a agenda do Brasil passa por medidas que envolvam a melhora da produtividade para permitir um maior crescimento potencial da economia.
São necessárias, portanto, medidas que facilitem o ambiente de negócios com o objetivo de melhorar o quadro de investimentos, por exemplo, e investir na educação para ter uma mão de obra mais qualificada. “Medidas que facilitem o investimento vão fazer que esse mesmo trabalhador mais bem treinado, com melhor educação, produza mais, e o nosso PIB per capita vai crescer”, finaliza Loes.