Especialistas Defendem Isolamento Social Para Enfrentar o Coronavírus

Segundo estudo, prática já foi benéfica no passado, inclusive para a economia, no caso da gripe espanhola nos EUA

Especialistas Defendem Isolamento Social Para Enfrentar o Coronavírus

Pensando apenas na economia e se esquecendo da saúde dos brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro contraria a orientação de epidemiologistas e tenta convencer a maioria da população a abandonar a quarentena contra o novo coronavírus. Na sua avaliação, apenas os mais idosos e portadores de outras doenças deveriam ficar em casa.

Não bastasse isso, neste domingo (29), ele foi visto, novamente, cumprimentando pessoas, após passear por Brasília e arredores, sem qualquer preocupação com o novo coronavírus, que assola o mundo.

Médicos e economistas críticos a tal proposta têm argumentado, no entanto, que essa estratégia levaria à rápida expansão da doença no Brasil — o que também provocaria danos à economia, além de um número maior de mortes. Exemplos dessa conduta mais “amena” estão aí pelo mundo, como na Itália e na Espanha, por exemplo, que não levaram a doença a sério no início e, nos últimos dias, viram o número de mortos e casos da Covid-19 aumentarem.

A seguir, uma análise de como o isolamento social foi benéfico no passado e como o “afrouxamento” de tal medida pode ter consequências irreversíveis à economia e à sociedade em geral. Venha com a gente e tire suas próprias conclusões!

Há um século medidas de isolamento foram benéficas

Um estudo sobre os efeitos da epidemia de gripe espanhola sobre cidades americanas em 1918 indica que, já há pelo menos um século, medidas preventivas de isolamento social foram positivas não apenas para prevenir mortes, mas também amenizar o impacto da pandemia sobre a economia.

Ao analisar como se deu a recuperação econômica em 43 cidades dos Estados Unidos, após o fim do surto de gripe espanhola, seus autores concluíram que a atividade voltou a crescer mais rápido onde as autoridades municipais adotaram medidas para conter a expansão da epidemia, em comparação com locais que não atuaram para reduzir o contágio.

A pesquisa publicada na última quinta (26) é assinada pelos economistas Sergio Correa, do Banco Central americano, Stephan Luck, do Banco Central de Nova York, e Emil Verner, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Segundo esses teóricos, diversas cidades americanas adotaram, em 1918, estratégias de distanciamento social similares às que têm sido usadas hoje ao redor do mundo contra o coronavírus, como “fechamento de escolas, teatros e igrejas” e “a proibição de reuniões de massa”.

Além disso, também foram aplicadas outras ações como “uso obrigatório de máscara, isolamento de pessoas infectadas, tornar a gripe uma doença notificável e medidas públicas de desinfecção e higiene”.

A adoção dessas políticas contra a gripe espanhola, no entanto, não foi uniforme em todo país. “As autoridades da cidade de Filadélfia intervieram apenas muito tarde e até permitiram a realização de grandes reuniões públicas, como o Liberty Loan Parade (um desfile patriótico para angariar fundos para os esforços militares americanos na 1ª Guerra Mundial), amplamente frequentado”, diz o estudo.

“Como consequência, a Filadélfia teve um aumento considerável na mortalidade relacionada à gripe espanhola durante o outono de 1918. Já as autoridades da cidade de Saint Louis agiram rapidamente, e a taxa final de mortalidade foi substancialmente mais baixa.

Indústria e bancos se recuperaram mais rápido em cidades que ficaram reclusas

Ao comparar a forma como 43 cidades usaram essas medidas, os economistas notaram que ações preventivas precoces e com mais intensidade não agravaram a crise econômica. “Pelo contrário, cidades que intervieram antes e mais agressivamente experimentam um aumento relativo do emprego na indústria, da produção industrial e dos ativos bancários em 1919, após o fim da pandemia”, dizem os autores.

Para essa análise, foram cruzados dados como a duração das medidas adotadas, as mortes por gripe espanhola registradas nestas cidades e seus indicadores econômicos.

Ações preventivas adotadas dez dias antes da chegada da doença contribuíram para um aumento de 5% no emprego industrial das cidades no período posterior à pandemia de 1918, por exemplo. Da mesma forma, implementar essas medidas preventivas por mais 50 dias resultaram em um crescimento de 6,5% do emprego na indústria após o fim da pandemia.

Segundo os autores, medidas preventivas que restringem a interação social realmente deprimem a atividade econômica. Mas eles ressaltam que a expansão da epidemia quando essas medidas não são adotadas também impacta negativamente a economia, já que as famílias reduzem por conta própria seu consumo e trabalho para diminuir a chance de contrair a doença.

“Assim, enquanto as medidas preventivas diminuem a atividade econômica, elas (ao mesmo tempo) podem resolver problemas de coordenação associados ao combate à transmissão de doenças e mitigar a ruptura econômica relacionada à pandemia”, observam os economistas. Ações para reduzir a expansão da doença “podem reduzir a mortalidade e, ao mesmo tempo, serem economicamente benéficas”, conclui o estudo.

O que o estudo aponta para a pandemia atual?

Os autores do estudo afirmam que há lições importantes da gripe de 1918 para a pandemia de hoje de covid-19, doença causada pelo coronavírus. Eles reconhecem, porém, que há alguns limites na comparação do contexto atual com o de um século atrás. Estimativas indicam que a taxa de mortalidade da gripe espanhola é maior que a da covid-19, especialmente entre trabalhadores mais jovens, o que sugere que o impacto econômico da pandemia de 1918 pode ter sido maior.

Além disso, elementos importantes da economia atual — como o avanço de tecnologias de comunicação, o crescimento do setor de serviços e a grande complexidade da cadeia mundial de fornecedores — não estavam presentes em 1918 e, por isso, não são capturados na análise econômica da pandemia de gripe espanhola.

Por que os números de óbitos e casos aumentam na Itália e na Espanha?

Segundo os últimos dados, divulgados pelo Ministério da Saúde local, a Espanha ultrapassou a China no número de casos confirmados da Covid-19, passando de 78.797 no domingo (29) para 85.195 nesta segunda (30). Com isso, a quantidade de registros da doença no país é a terceira maior do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Itália. Ao todo, 7.340 pessoas morreram por Covid-19 no território espanhol. O número é o segundo maior no mundo, menor apenas que o da Itália, que já registra 10.779 mortes, segundo o Ministério da Saúde italiano.

Diante disso, a pergunta que fica é: por que esses números não param de subir nestes países?

Segundo especialistas, a Itália não detectou a disseminação da epidemia cedo o bastante. O número de casos confirmados no país disparou de forma súbita no final de fevereiro, levando cientistas a crer que houve um período em que o vírus estava se espalhando sem ser detectado. Isso deu ao país menos tempo para medidas como rastrear contatos daqueles que adoeceram e isolar casos para diminuir a propagação.

“Quando começaram a registrar casos, já havia pessoas morrendo. Foi uma falha na vigilância. Isso quer dizer que a epidemia avançou silenciosamente. Foi como uma onda invisível que só foi percebida quando bateu na praia”, diz o infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Alberto Chebabo.

Quando medidas de isolamento foram tomadas, já havia muitos infectados. “Você começa a ver o impacto das medidas de isolamento mais ou menos quinze dias depois de elas serem implementadas. É preciso tornar a duração da epidemia mais lenta para não sobrecarregar o sistema de saúde. Se você implementa medidas tarde, quando há muitas pessoas doentes ao mesmo tempo, o resultado que as medidas vão dar será menor. Quanto mais precocemente elas são adotadas, mais lento é o aumento (e menor a sobrecarga ao sistema de saúde)”, diz Chebado.

Enquanto as pessoas eram tratadas dentro dos hospitais, fora deles, a epidemia seguia – e segue -, com novos casos crescendo constantemente. “As pessoas ficam internadas por duas, três, às vezes quatro semanas. A epidemia não deu trégua, então você tem um acúmulo de mortes porque não há leitos o bastante para todos que chegam”, reforça o infectologista.

O prefeito de Milão, Giuseppe Sala, admitiu ter errado ao apoiar a campanha “Milão não para”, que pedia que a cidade não paralisasse suas atividades no início da pandemia de coronavírus na Itália, ocorrido há cerca de um mês. O reconhecimento de Sala, do Partido Democrático, foi feito durante o programa “Che tempo che fa”, que foi ao ar na televisão italiana no último dia 22 de março.

De acordo com o prefeito da cidade de 3,1 milhões de habitantes, foi um erro defender a não interrupção da vida normal. “Muitos se referem àquele vídeo que circulava com o título #MilãoNãoPara. Era 27 de fevereiro, o vídeo estava explodindo nas redes, e todos o divulgaram, inclusive eu. Certo ou errado? Provavelmente errado. Ninguém ainda havia entendido a virulência do vírus, e aquele era o espírito. Trabalho sete dias por semana para fazer minha parte, e aceito as críticas”, disse o prefeito.

O vídeo compartilhado pelo prefeito foi publicado por uma associação de bares e restaurantes da cidade e dizia que os cidadãos “não tinham medo” e que os habitantes de Milão faziam “milagres todos os dias” em “ritmos impensáveis” com “resultados importantes”. Quando o vídeo foi publicado, 11 cidades da Lombardia, região norte da Itália da qual Milão é a capital, já estavam em quarentena. Em 27 de fevereiro, a Itália havia registrado 14 mortes por Covid-19 e 528 casos confirmados de pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

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