Selic a 2%: é Mesmo uma Boa Hora Para se Financiar um Imóvel?

Seguidas reduções na taxa de juros tiveram pouco efeito nas taxas do crédito; especialistas recomendam investir, mas com cautela

Selic a 2%: é Mesmo uma Boa Hora Para se Financiar um Imóvel?

A Taxa Básica de Juros, a Selic, que serve de referência para as operações de crédito, já foi cortada quatro vezes desde o início do estado de quarentena para a prevenção do novo coronavírus (covid-19), no início de março. Agora ela está na nova mínima histórica, a 2% ao ano. Os juros do financiamento imobiliário, no entanto, não acompanharam essa onda de queda.

Apenas dois dos cinco maiores bancos do país, o Santander e o Itaú, baixaram os juros do crédito para compra de imóveis pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) no período. Antes disso, entretanto, essas duas instituições possuíam as maiores taxas entre seus pares.

A Caixa, que possui a maior fatia do mercado de financiamento imobiliário, continuou com os juros no patamar pré-pandemia.

Questionada sobre a possibilidade de baixar o custo do financiamento para o tomador de crédito, a Caixa se limitou a lembrar dos cortes feitos no ano passado, acrescentando: “O banco reforça que se baseia na associação de fatores mercadológicos e conjunturais em suas análises, considerando o contexto do atendimento aos clientes, dentro das regras prudenciais de definição das condições do crédito”.

Taxas mínimas anunciadas em financiamento atrelado à Taxa Referencial no Sistema de Financiamento Habitacional

Instituição | Taxas mínimas de crédito imobiliário

Caixa: A partir de 6,5% ao ano + TR
Itaú: A partir de 7,3% ao ano + TR
Santander: A partir de 6,99% ao ano + TR
Banco do Brasil: Entre 7,99% + TR até 8,45% + TR a depender do prazo do financiamento
Bradesco: A partir de 7,3% ao ano + TR

Fonte: Sites dos bancos

Em outras palavras, os bancos “se esqueceram” de baixar as taxas. E isso só deixa o cenário um pouco mais injusto para o consumidor que poderia estar aproveitando juros ainda menores para comprar a casa própria.

Para se entender melhor a questão, boa parte dos financiamentos imobiliários usa recurso de poupança. Isso significa que os bancos pegam uma porção do dinheiro que as pessoas deixam na poupança para emprestar para quem vai financiar imóveis. Para isso, eles pagam 70% da Selic ao investidor, atualmente 1,4% ao ano.

Em contrapartida, a média de juros para financiamento imobiliário é de 7,13% ao ano, segundo levantamento do comparador e simulador de juros Melhortaxa. Esse é o valor que eles ganham com essa modalidade de crédito, sem falar em outras tarifas que compõem o Custo Efetivo Total (CET). “Com a nova Selic em 2% ao ano e a média da taxa de juros efetivamente praticada pelos bancos em 7,16%, essa diferença (entre Selic e média de taxas dos bancos) calculada pelo indicador Delta Melhortaxa subiu de 4,92 para 5,16 pontos percentuais. Esses números são com base nos milhares de contratos assinados mensalmente por intermédio da nossa plataforma, ou seja, refletem a realidade do que se pratica atualmente e não os valores de tabela do marketing dos bancos”, afirma o cofundador da Melhortaxa, Rafael Sasso, que ainda compara: “No passado, em 2016, por exemplo, quando a Selic estava a 14%, os juros do financiamento imobiliário eram menores que a taxa básica”.

Claro que o CET, que incluem outras tarifas e seguro obrigatório, acabava sendo mais alto até mesmo que a Selic. Porém, a taxa em si do financiamento era menor que a taxa básica.

Desde o início do ciclo de corte de juros, no entanto, o cenário se inverteu. E cada vez mais, os bancos ficam com uma porção maior da diferença entre o que cobram de juros e o que pagam a quem investe ou deixa dinheiro na poupança.

Sasso lembra que em novembro do ano passado, o Delta Melhortaxa (Diferença da Selic para Taxa média) estava em 2,56 pontos percentuais, quando a média das taxas praticadas pelos bancos estava em 7,56% e a Selic marcava 5%. Na época, afirma ele, já existia a pressão para os bancos reduzirem suas taxas de financiamento imobiliário, mas a pandemia de covid-19 acabou atrasando esse movimento mais forte.

Há dois anos, a Selic já começava a cair e também naquela época os bancos não realizaram cortes no financiamento imobiliário. Na época, a justificativa era de que havia um estoque bem menor na poupança disponível para emprestar e a procura por financiamento estava baixa. Atualmente, a situação mudou. A procura tem aumentado, justamente devido aos juros mais baixos, e a poupança nunca esteve tão abastecida.

Neste ano, a poupança bateu todos os recordes de depósito, chegando a R$ 37 bilhões em maio. A captação líquida (valor dos depósitos menos saques) já passa de R$ 100 bilhões.

Enfim, por que as taxas não caem?

De acordo com a presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Cristiane Portella, ainda existe espaço para alguma redução nas taxas de juros do crédito imobiliário, quando se considera a Selic nas mínimas históricas. Apesar disso, não será na magnitude que se viu há dois anos, quando as taxas da modalidade caíram de 11% para 7% ao ano. “Algum espaço para alguma redução existe”, disse Portella, em coletiva.

Segundo Cristiane Portella, a perspectiva mostrada pelos juros futuros é de uma Selic bem maior no médio prazo e, por isso, os bancos têm tido cautela na hora de baixar os juros da taxa imobiliária, que costuma ser um compromisso de longo prazo, período em que o cenário poderia mudar drasticamente.

Realmente, o crédito imobiliário costuma ser o último a ter alguma redução de taxas. Nesse período de pandemia, foram anunciadas reduções em outras linhas de crédito, como cheque especial, cartão de crédito e crédito pessoal, todos com prazos médios menores que o financiamento de imóveis.

Cristiane Portela, que também é executiva do Itaú, entende que os bancos não deixaram de baixar os juros para ter um melhor “spread” (diferença entre juros de captação de recurso e do empréstimo ao consumidor). “Não acho que a gente esteja numa fase de querer o maior spread possível. Há competição e a portabilidade está bem estruturada”, afirmou.

A executiva também pontuou que, apesar de a captação da poupança estar nas máximas, nada garante que ela siga no atual ritmo e pode haver queda no estoque dos bancos para empréstimo. Dessa maneira, os bancos podem não ter a mesma quantidade de dinheiro disponível para essas linhas de crédito, mesmo já tendo assumido o compromisso com os clientes. Isso deixaria o produto mais desvantajoso para os bancos, porque teriam maior custo de captação de recursos para emprestar.

Por sua vez, Sandro Gamba, diretor de negócios imobiliários do Santander, um dos únicos que fez algum reajuste na taxa e agora tem os juros mais atrativos entre os grandes bancos privados, argumenta que há outros meios de baratear o financiamento imobiliário. Por mais que as taxas de juros sejam a maior parte do que compõe o CET, ele acredita que quando o banco investe em tecnologia e processos mais ágeis, o cliente acaba ganhando numa redução dos demais custos do financiamento.

Gamba conta que essa tem sido a estratégia do banco. Primeiro, tentar otimizar os serviços por meio de tecnologia, enviando recursos para essas áreas de desenvolvimento, para só depois avaliar as taxas do financiamento propriamente dita. “A taxa não é o único fator da decisão, o também CET contribui. Estamos digitalizando bastante. A análise de seguro, por exemplo, antes tinha de ser 100% no físico. Hoje tem um percentual relevante no digital e isso corta custos”, afirma o executivo. Gamba diz ainda que no primeiro trimestre do ano a carteira de imobiliário do banco já havia crescido 13%. Há demanda.

Obviamente, o ideal para o consumidor seria que os bancos seguissem a tendência de baixa, como ocorreu no passado. Da última vez que os bancos se mantiveram alinhado às quedas da Selic, entre 2016 e 2019, o resultado foi a possibilidade de economizar.

Por exemplo, em um financiamento de R$ 400 mil em 360 meses, o cliente conseguiria economizar R$ 200 mil do total devido se comparar o nível de taxas de 2016 para os de hoje, em 2020.

Esse, inclusive, é um dos motivos para que a demanda continue mesmo que as taxas não acompanhem o movimento da Selic. Bem ou mal, os juros estão ainda assim no menor patamar da história.

Mudança silenciosa

De acordo com o executivo da Melhortaxa, Rafael Sasso, embora os bancos não se comprometam ou anunciem nenhum tipo de redução mais brusca na taxa, a plataforma tem registrado financiamentos mais baratos.

Normalmente, os bancos anunciam uma taxa mínima de financiamento, mas só a concedem a depender do perfil do tomador de crédito e do histórico de relacionamento da pessoa com a instituição o que costuma ser algo bem subjetivo. Dessa maneira, poucas vezes a taxa anunciada é a mais praticada. Mas isso também tem mudado. “Nas últimas semanas, taxas mais baixas que eram exceção já viraram o normal e estamos acompanhando, pelos contratos fechados em nossa plataforma, um reajuste calado. Acredito que nos próximos meses, com a retomada da economia pós-pandemia, haverá maior probabilidade de um repasse mais forte para as taxas de crédito imobiliário”, conta Sasso.

Afinal, vale ou não comprar um imóvel nestas condições?

Principalmente para quem tem interesse em moradia, não apenas em investimento, especialistas recomendam, sim, a compra do imóvel neste momento.

Esperar mais um pouco por taxas ainda menores traz dois riscos: o primeiro é o comportamento dos juros. De repente, a Selic pode aumentar e com ela as taxas de juros. Ou esses juros podem aumentar de acordo com a demanda por esse tipo de financiamento. É algo difícil de prever, pontuam os especialistas.

O segundo risco é o preço dos imóveis. Eles vêm numa constante de baixa e ainda não se recuperaram da perda de valor generalizado do setor em 2017. O mercado imobiliário ainda patina, há estoque e preços mais baixos no momento. “Não aconselho as pessoas a aguardarem os bancos repassarem as taxas menores para adquirir o imóvel, pois a capacidade de compra está aumentando e os preços devem começar a reagir. Com isso, o que seria uma economia pode acabar virando prejuízo”, afirma Sasso.

Ele destaca ainda que a portabilidade de crédito, que é a possibilidade de levar sua dívida para outro banco que ofereça taxas menores, vem funcionando bem e pode ser uma espécie de seguro para o caso de os juros baixarem muito mais num futuro próximo. “A portabilidade existe justamente para isso, garantir uma segurança para o cliente efetuar o negócio agora e, no futuro, se existirem reduções, ser possível optar pela troca da instituição financeira detentora do contrato para outra com melhores condições”, completa Sasso.

Pés no chão

A planejadora financeira Luciana Ikedo também concorda que este possa ser o momento ideal para comprar a casa própria, mas somente para quem já tem alguma renda e não vai queimar a reserva de emergência com essa compra. “Com as taxas de juros baixas, surgiram excelentes oportunidades de financiamentos imobiliários com taxas reduzidas e prazos alongados, podendo representar um bom momento de aquisição de imóveis, sim”, afirma a profissional.

Imóvel não é um ativo tão líquido, como investimentos que você pode resgatar com alguma facilidade. Ao contrário, você não vende do dia para a noite. Então o dinheiro pode acabar estagnado ali por um tempo, caso você precise dele numa emergência ou mesmo para se aventurar em outros investimentos.

A especialista lembra também que é relevante avaliar os custos com documentação e manutenção do imóvel, sem esquecer a baixa liquidez desse investimento, especialmente num cenário de incertezas como o que vivemos. “Fazer um investimento alto, como geralmente são os imobiliários, deve ser muito bem calculado, pois, não sabemos até quando esse período de anormalidade vai durar e podemos ser os próximos a tentar vender um imóvel, procurando liquidez”, pondera. “Também é importante que o consumidor saiba tirar proveito das taxas da melhor maneira possível, sempre comparando condições oferecidas pelas instituições e sem se esquecer do planejamento financeiro a longo prazo”, acrescenta Luciana Ikedo.

Da mesma maneira que os bancos estão se prevenindo de juros futuros e uma possível alta da Selic no médio prazo, o consumidor deve pensar nas variáveis das parcelas.

Um exemplo são as linhas de financiamento atreladas à inflação IPCA, como oferecidas pela Caixa. Apesar de elas terem a taxa mais baixa de juros, se a inflação sair do controle, como já ocorreu no passado, você pode acabar com uma prestação muito maior do que havia programado.

Esse tipo de linha de crédito (com base no IPCA) vale mais a pena para financiamentos de curto prazo. Assim, seria uma forma de economizar nas taxas e reduzir a vulnerabilidade a oscilações fortes no indexador do seu financiamento.

No caso dos financiamentos atrelados à Taxa Referencial (TR), atualmente em zero, a mudança deverá ser menos brusca, pelo histórico dessa taxa, com flutuações mais suaves. Por isso, vale mais a pena para quem vai financiar no longo prazo, mesmo tendo taxas de juros maiores.

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