Os dados do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deverão mostrar que o tombo da economia com a pandemia no 2º trimestre deste ano foi menor do que o inicialmente se imaginava. É consenso entre o mercado e o próprio governo, no entanto, que a retração do PIB foi drástica, colocando o país em recessão técnica, ou seja, com recuo do nível de atividade por dois trimestres consecutivos. Os números devem ser divulgados no próximo dia 1º de setembro.
Mesmo com uma reação forte de setores como comércio e indústria nos últimos meses, e melhora das expectativas para o PIB de 2020, os analistas avaliam que o país só deverá recuperar o patamar pré-pandemia em 2022, e alertam para o risco de perda de fôlego da economia a partir do final do ano, em meio ao encerramento ou enxugamento de medidas de alívio dos reflexos da pandemia, como o auxilio emergencial, além do aumento do desemprego.
Segundo levantamentos junto a especialistas, há uma estimativa de retração acima de 8% da economia brasileira no 2º trimestre, frente aos três meses anteriores. Das 12 consultorias e instituições financeiras consultadas, dez esperam um tombo de até 10%, patamar em linha com o da última projeção feita pelo governo.
PIB recua ao patamar de 2009
A maior queda já registrada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foi a do 4º trimestre de 2008, quando o PIB desabou 3,9% na comparação com o trimestre imediatamente anterior. A série histórica oficial de dados trimestrais, no entanto, foi iniciada apenas em 1996.
Estudo do Ibre/FGV, que reconstruiu a série trimestral do PIB desde os anos 80, mostra que o encolhimento da economia nos meses entre abril e junho foi de longe o mais intenso dos últimos 40 anos. De acordo com as pesquisadoras Luana Miranda e Juliana Trece, a maior queda até então havia sido a do 4º trimestre de 1990, quando a economia teve retração de 4,7% ante os três meses anteriores.
Tomando como base as contas da economista Silvia Matos, também do Ibre FGV, confirmada a expectativa de queda de mais de 8% do PIB no 2º trimestre, a economia brasileira irá regredir ao patamar que se encontrava no 3º trimestre de 2009, ou seja, para o nível de 11 anos atrás. São esperados números negativos em praticamente todos os componentes do PIB no 2º trimestre, com exceção do agronegócio. No 1º trimestre, o PIB encolheu 1,5%, retornando ao nível do segundo trimestre de 2012, interrompendo uma trajetória de 12 meses de recuperação da economia.
Pior recessão em 40 anos
A queda recorde em apenas um trimestre também deverá superar a perda acumulada em qualquer uma das últimas nove recessões que o Brasil passou nos últimos 40 anos. Inclusive, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da FGV, considera que o Brasil entrou em recessão já no 1º trimestre deste ano.
A pesquisadora Luana Miranda estima uma perda acumulada de 11% nos dois primeiros trimestres do ano e um cenário de recuperação lenta, mesmo que o país consiga sair da recessão técnica já no 3º trimestre. “As revisões caminharam para um cenário um pouco melhor no ano e no segundo trimestre. Ainda assim, esperamos que o PIB só retome ao nível pré-crise no segundo semestre de 2022. Projetamos crescimento de apenas 2,4% no ano que vem, de modo a não recuperar nem metade do que foi perdido esse ano”, afirma a especialista.
Ainda que a nova recessão tenha origem numa crise sanitária e seja diferente de todas as anteriores, ela chega com o agravante de derrubar a economia antes mesmo de o país ter conseguido se recuperar completamente das perdas da recessão de 2014-2016.
Recuperação gradual
A avaliação geral é que o “fundo do poço” foi mesmo abril e que o pior da crise já ficou para trás. Os primeiros indicadores de julho mostram que a recuperação continuou ganhando fôlego neste 3º trimestre. Os economistas alertam, no entanto, que a reação tem sido bem diferente entre os diversos setores da economia e que entre os componentes do PIB que ainda estão sendo afetados pela pandemia estão o consumo das famílias, os investimentos e os serviços, sobretudo os prestados às famílias e os relacionados a lazer, que demandam maior aproximação física ou mobilidade e continuam com atividades restritas por precauções sanitárias e medo de contágio do novo coronavírus (Covid-19).
A perspectiva de um ritmo de recuperação mais lento que o da queda tem levado analistas, além do próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, a falar em uma trajetória em formato de “V” longo, com uma segunda perna mais deitada, semelhante ao símbolo da marca Nike, ou então na forma de radical, o símbolo matemático de raiz, dependendo da velocidade e do ritmo de redução dos estímulos. “Parece mais aquele símbolo da Nike. A volta será mais suave, não rápida, especialmente em serviços. Mas temos que tomar cuidado também com a continuidade da recuperação. O varejo teve forte recuperação, mas parte disso foi beneficiada pelo auxilio emergencial, que tende a diminuir bastante no quarto trimestre. Isso faria com que a recuperação ficasse de fato mais lenta do que o ‘V’ tradicional, e com isso a gente ainda pode ver queda de PIB no quarto trimestre”, afirma o economista Sérgio Vale, da MB Associados.
Já na perspectiva do Ibre/FGV, o PIB deverá crescer em torno de 6% no 3º trimestre, recuperando parte das perdas, mas ainda há muitas dúvidas sobre o 4º trimestre. “A questão é que esse terceiro trimestre ainda está anabolizado por medidas de atenuação do choque e não tem espaço fiscal para continuar com esses benefícios nessa mesma magnitude e intensidade. Daí vamos começar a voltar para os nossos problemas: taxa de desemprego muito alta, com muita informalidade, e um cenário de ainda muita incerteza para o investimento, que desabou com a pandemia. Portanto, a economia vai perder bastante fôlego no 4º trimestre. Não vai ser um ‘V’ normal, tem uma perna menor. É um ‘V’ capenga”, afirma Silvia Matos.
O auxílio emergencial tem garantido uma renda mensal de R$ 600 para mais de 65 milhões de brasileiros, contribuindo significativamente para reduzir a extrema pobreza e evitar um tombo ainda maior no nível de consumo. O auxílio, como aprovado atualmente, acabará de ser pago em setembro, e o governo ainda não decidiu se a ajuda será prorrogada até o final do ano e em qual valor.
Aumento do desemprego, risco de uma segunda onda de Covid-19 e outras incertezas
O fim ou redução do auxílio emergencial tende a ter impactos não só no consumo das famílias como também na taxa de desemprego e na massa de rendimentos. “Com a pandemia e o auxílio emergencial, muitas pessoas deixaram de procurar emprego. Então, há o risco de uma taxa de desemprego pior no 4º trimestre e início do ano, mesmo porque o mercado de trabalho depende muito da retomada plena do setor de serviços, que é o que mais emprega”, destaca a economista do Ibre, Silvia Matos.
Por sua vez, o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, acredita que o ritmo de recuperação da economia será ditado não só pela evolução do emprego e da renda, como também pela dinâmica da pandemia e risco de novos surtos de Covid-19.
Ele avalia também que a queda do emprego formal e do número de brasileiros ocupados também indicam que a recuperação será lenta, diante da confiança ainda baixa dos empresários e dúvidas relacionadas à recomposição da renda formal, que costuma puxar a ocupação informal. Em apenas três meses, o Brasil perdeu quase nove milhões de postos de trabalho. “Se as formas lembrarem um V, um W ou um radical, fique à vontade para escolher. O porém é que não se sabe quanto cai, quando começa a subir, quanto sobe e o ritmo. Nosso cenário hoje é que volta a crescer na virada do ano, com quedas cadentes até lá”, afirma Gonçalves. O economista projeta um tombo de 5,8% do PIB em 2020 e retorno ao nível pré-Covid apenas no terceiro trimestre de 2022.
Já pelos cálculos da economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, o patamar pré-pandemia só será retomado no final de 2022. “A demora tem a ver com os efeitos mais permanentes da pandemia sobre empresas (falências) e sobre o ritmo de contratação de pessoas e também com o nível maior incerteza envolvendo o ambiente político e questões fiscais”, afirma a profissional.
Entre as incertezas internas, os economistas citam ainda as preocupações sobre a trajetória da dívida pública, em meio às discussões sobre o Orçamento 2021 e manutenção ou flexibilização do teto de gastos, e as dúvidas quanto ao ritmo de andamento de reformas, como a administrativa e a Tributária. “Por mais que o discurso do governo tenha sido de tentar contemporizar as tentativas de furar o teto, não será difícil ver a pressão crescer por parte do presidente, do centrão e dos militares em cima do Ministério da Economia para ser mais condescendente com o gasto público”, avalia Vale, que projeta um tombo de 5,3% do PIB em 2020 e alta de 2,2% em 2021.
No cenário “otimista” do Ibre/FGV, considerando taxa de crescimento de 2,4% em 2021, de 3% em 2022, e em torno de 2,25% nos anos seguintes, o Brasil só deverá retornar ao nível de atividade pré-crise de 2014 em 2024. Sendo assim, o país levará 10 anos para concluir o processo de recuperação da economia e retornar ao último pico.