O preço dos alimentos foi destaque para a alta de 0,24% na inflação oficial do país em agosto, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na semana passada. O Índice de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA) subiu 2,44% em 12 meses, enquanto a inflação dos alimentos subiu 8,83% no período.
Esta alta não tem apenas um alimento responsável, já que a maioria deles está com preços recordes no campo. Apesar disso, dois chamaram a atenção nos últimos dias: o arroz, com valorização de 19,2% no ano, e o óleo de soja, que subiu 18,6% no período.
Para quem espera preços menores nos próximos meses, a expectativa dos especialistas não é otimista. Como é época de entressafra, é difícil que os valores caiam tanto até o início de 2021, pelo menos.
Por que os preços estão tão altos?
De acordo com economistas, dois fatores explicam a alta dos alimentos:
- Dólar alto: que incentiva os produtores a aumentarem as exportações, reduzindo, assim, a oferta de produtos no mercado interno;
- Auxílio emergencial: benefício do governo federal estimulou o aumento do consumo. Foi direcionado, em grande parte, para a população mais pobre do país, que tem uma cesta de compras formada, em sua maioria, por produtos básicos, como alimentos.
Com o dólar muito valorizado em relação ao real, a venda ao exterior se torna uma forte concorrente da indústria brasileira pela compra de produtos do campo. Ao mesmo tempo, deixa o custo de produção da agropecuária mais alto, já que boa parte dos insumos é cotada na moeda americana.
Enquanto as exportações totais do Brasil caíram 6,8% nos últimos 12 meses até julho, o agronegócio vendeu 3,8% mais, segundo o Ministério da Agricultura. A participação do setor na balança comercial do período subiu de 42,3% para 47,1%. A China responde por mais de 30% das compras. Dessa forma, na prática, para que as empresas brasileiras consigam manter os alimentos aqui, é necessário pagar mais, e este valor acaba sendo revertido ao consumidor. Além disso, com uma boa quantidade de produtos sendo vendida a outros países, a oferta interna de mercadorias diminuiu, incentivando a elevação de preços.
Por outro lado, a renda gerada pelo auxílio emergencial de R$ 600 nos últimos meses permitiu que o repasse dos preços nas gôndolas dos supermercados fosse feito. “Se não houvesse recurso, não haveria demanda que sustentasse o aumento de preços. De onde vem essa renda? De uma política fiscal expansionista, ou seja, do auxílio emergencial”, explica o economista Felippe Serigati. “Estima-se que houve mais de 60 milhões de beneficiários, em uma sociedade de 210 milhões de pessoas: é expressivo. Essa transferência de renda conseguiu garantir que os domicílios tivessem recursos para adquirir esses alimentos”, complementa o especialista.
Posição do governo
O governo afirma que não haverá desabastecimento no país. O presidente Jair Bolsonaro pediu aos comerciantes para que as margens de lucro de produtos como o arroz fiquem “próximas de zero”. Ele ainda acrescentou que não pretende tabelar preços. “Tenho apelado para eles, ninguém vai usar a caneta Bic para tabelar nada, não existe tabelamento, mas pedindo para eles que o lucro desses produtos essenciais nos supermercados seja próximo de zero. Acredito que a nova safra começa a ser colhida em dezembro, janeiro, de arroz em especial, a tendência é normalizar o preço”, afirmou Bolsonaro.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu reduzir a zero a alíquota do imposto de importação para o arroz, na semana passada. A medida vale até 31 de dezembro e é restrita a uma cota de 400 mil toneladas de arroz. O objetivo é reduzir o custo do grão importado para aumentar a oferta e conter a alta de preços no mercado interno.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que o Brasil deverá comprar 1,1 milhão de toneladas de arroz do exterior nesta safra, isso representa cerca de 10% do que o país consome. As importações do alimento cresceram 28,4% em agosto deste ano na comparação com 2019. Os principais fornecedores são Argentina, Paraguai e Uruguai, que estão isentos da taxa cobrada de países de fora do Mercosul.
Após reunião com o presidente Bolsonaro, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirmou que os comerciantes não são os “vilões” no aumento dos preços.
O que ficou mais caro?
Não há apenas um responsável pela alta expressiva dos alimentos neste ano. De acordo com o levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea), diversos produtos registram preços recordes no campo. O prato feito do brasileiro, com arroz, feijão e carnes está mais caro desde o início do ano. “O arroz acumula alta de 19,25% no ano e o feijão, dependendo do tipo e da região, já tem inflação acima dos 30%. O feijão preto, muito consumido no Rio de Janeiro, acumula alta de 28,92% no ano e o feijão carioca, de 12,12%”, destaca Pedro Kislanov, gerente de pesquisa do IBGE.
Dois alimentos da cesta básica, no entanto, estão chamando a atenção dos consumidores da cidade nas últimas semanas. Além do arroz, o óleo de soja também puxa o preço da inflação para cima.
A preocupação maior é em relação ao primeiro item. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que não vai faltar arroz no mercado. “O arroz não vai faltar. Agora ele está alto, mas nós vamos fazer ele baixar, se Deus quiser vamos ter uma supersafra no ano que vem”, declarou a ministra.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirma que o produtor rural não é o responsável pelo aumento nos supermercados e que a alta se refere à recuperação de preços desses alimentos no mercado agropecuário. “Esses aumentos têm sido acompanhados pela alta no custo de produção, o que demonstra que o produtor não está tirando vantagem sobre os outros elos da cadeia”, diz o superintendente técnico da CNA, Bruno Lucchi.
Arroz salgado
A pandemia e as exportações fizeram com que o preço do arroz subisse muito nos últimos tempos. O primeiro movimento de grande procura ocorreu no início do período de isolamento social, quando a busca nos supermercados por alimentos básicos para serem estocados disparou. Com isso, a indústria viu a necessidade de ir às compras, e os agricultores seguraram a venda do produto, enxergando aí uma oportunidade de valorizar o alimento, que vinha perdendo valor nos últimos anos.
De acordo com o Cepea, o preço pago no campo pelo arroz subiu 63% em agosto deste ano na comparação com o ano passado, um recorde. O IBGE afirma que o preço do alimento ao consumidor já subiu 19,2% no ano.
Se os brasileiros queriam estocar alimentos, houve um movimento semelhante no exterior. E as exportações de arroz em agosto cresceram 98% na comparação com o mesmo mês do ano passado. “O Brasil foi o único grande produtor agropecuário que conseguiu abastecer o mundo sem problemas durante a pandemia. Diversos grandes players não conseguiram abastecer o mercado internacional, o Brasil sim”, explica o economista Felippe Serigati.
Com isso, o preço do arroz ao consumidor, medido pelo Índice de Preço ao Atacado (IPA) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), já subiu 22,8% nos 12 meses encerrados em agosto. “Somente no mês passado, o avanço do valor arroz foi de 11,54% no atacado, enquanto nas gôndolas dos supermercados, o aumento foi de 3,35%. Essa diferença significa que ainda existe espaço para que o preço do arroz suba mais nos próximos meses”, diz André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre).
Em São Paulo, um saco de 5 kg de arroz está custando mais de R$ 30, sendo que o preço costumava girar em torno dos R$ 15.
Esse aumento recente fez a associação que representa as indústrias do setor (Abiarroz) reclamar, no fim de agosto, da dificuldade de compra do alimento, alegando que ele está concentrado na mão de poucos produtores. “Nos últimos 25 dias, observou-se uma alta de mais de 30% no custo da matéria-prima, além do reajuste já ocorrido em decorrência do aumento da demanda no início da pandemia. Os preços praticados ultrapassaram em 290% o valor do preço mínimo estabelecido pelo governo federal”, diz a Abiarroz, em nota.
Outro fator que ajuda neste movimento de alta é a recorrente diminuição da área plantada de arroz no país. Da safra 2011/2012 até a safra 2019/2020, houve uma queda de mais de 30%.
Depois de anos de retração, o bom cenário de preços deve fazer com que a área plantada cresça 12,1% na próxima safra, que deverá ser colhida no começo de 2021, alcançando uma produção 7,2% maior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Óleo mais caro
Outro item básico que viu seu valor disparar foi o óleo de soja. O preço do produto subiu nas 17 capitais pesquisadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com altas expressivas no Rio de Janeiro (+22,4) e em Porto Alegre (+21,1%). Em São Paulo, o litro, que custava cerca de R$ 3,50, é encontrado acima dos R$ 6. O IBGE afirma que o óleo de soja já subiu 18,6% no ano.
Como o próprio nome diz, o óleo é um derivado da soja, que é o produto mais exportado pelo Brasil. De janeiro a agosto, as vendas do grão ao exterior já superaram o total que foi vendido nos 12 meses de 2019. Foram negociadas 75,1 milhões de toneladas neste ano ante 56,2 milhões de toneladas do mesmo período do ano passado. Em todo 2019, o país negociou 74 milhões de toneladas.
O Brasil produziu nesta temporada pouco mais de 120 milhões de toneladas. Ou seja, os 45 milhões de toneladas “disponíveis” estão em disputa entre exportadores e indústrias brasileiras. Isso faz com que o grão e seus derivados venham alcançando preços recordes no mercado. Segundo o Cepea, a saca de 60 kg de soja está custando mais de R$ 120 no campo, valor recorde.
Ainda de acordo com o centro da USP, os preços do óleo de soja na cidade de São Paulo subiram expressivos 24,9% no mês e 57,5% no ano. E até mesmo o grão que nem foi colhido é disputado. Pela primeira vez na história, agricultores já estão vendendo a soja que vai ser colhida só em 2022.
Além disso, as importações cresceram neste ano e devem bater recorde. Uma ironia para o país que é maior produtor e exportador global do grão.
Expectativa para os próximos meses
Não há, hoje, nada que indique que os preços dos alimentos vão cair substancialmente, dizem economistas. Um dos motivos é que o país está no período de entressafra das principais culturas, e a produção começa apenas no fim deste mês, com colheita prevista para o início de 2021.
Outro ponto é que o auxílio emergencial foi prorrogado até o fim do ano. Mesmo com um valor menor, de R$ 300 e com mais restrições, essa fonte de renda vai continuar pressionando os preços dos alimentos. “Em outras palavras, se alguém estiver esperando preços menores, eu não contaria com essa possibilidade. Estejam preparados para caminharem até o final em 2020 (com preços mais altos)”, resume Felippe Serigati.
André Braz, do Ibre, prevê que a inflação de alimentos, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV, deve acumular alta entre 8,5% e 9% nos 12 meses encerrados em dezembro de 2020. Variação bem acima do IPC total projetado para o período, que é de um avanço de 2,5%.
De acordo com o profissional, a disparada de preços dos alimentos tem sido puxada, principalmente, pelo valor das carnes bovina, suína e de frango, que vem aumentando desde o segundo semestre de 2019. “O preço das commodities soja e milho está em alta nas bolsas de valores internacionais e, apesar de a gente não as consumir diretamente, elas alimentam os animais que nós comemos”, explica Braz. “Soma-se a esse cenário uma demanda chinesa crescente por alimentos e, com o dólar alto, os produtores brasileiros estão preferindo vender para fora, o que reduz, consequentemente, a oferta interna e colabora para a expansão de preços”, completa.
Para Braz, “a única chance” de o Brasil ter uma inflação de alimentos mais baixa este ano já foi descartada. “O dólar precisaria ceder um pouco mais, mas tudo indica que ele vai se estabilizar em torno de R$ 5,30 este ano”.
Alimentos com alta expressiva no ano:
- Manga: 61,63%
- Cebola: 50,40%
- Abobrinha: 46,87%
- Tainha: 39,99%
- Limão: 36,56%
- Morango: 31,99%
- Feijão-preto: 28,9%
- Leite longa vida: 22,99%
- Arroz: 19,25%·
- Óleo de soja: 18,63%.